Felipe Callado em entrevista exclusiva sobre a sua extensa tour pela América do Sul

Por Jonas Fachi

Foto de abertura: divulgação 

Mais de 10 anos se passaram desde que o expoente argentino Ricky Ryan citou em uma entrevista, aqui mesmo na House Mag, que seu DJ favorito no Brasil se chamava Felipe Callado. De lá para cá muitas coisas aconteceram na carreira do talento forjado na pulsante cena eletrônica catarinense. Após alcançar um ótimo nível nacional se apresentando em clubs lendários como o Warung, em Itajaí, Bahrein, em Buenos Aires, e Intimate & Underground, em Toronto, ele resolveu investir no desenvolvimento da cena eletrônica como um todo.

Sua contribuição passou de um DJ, produtor e promotor de eventos em ascensão no Brasil para um dos líderes mundiais no desenvolvimento de novas ferramentas para a profissionalização do mercado eletrônico, transbordando inclusive os limites da música. Felipe é o fundador do Gigloop, um projeto revolucionário no contexto da música eletrônica como um todo; sendo reconhecido com dois importantes prêmios internacionais, Inovação do Ano (2018), no IMS Ibiza; e o French Tech Ticket, concedido pelo o governo francês para startups internacionais.

O lado empreendedor o levou a morar em Paris, colocando-o em contato constante com a gigantesca cena de clubs e festivais europeus. Toda a sua agenda nos últimos três anos foi dedicada ao desenvolvimento e projeção do Gigloop, porém, agora com o projeto ganhando vida própria, Felipe inicia 2019 retomando a carreira atrás das pick-ups mais forte do que nunca. Prova disso é a sua impressionante agenda de shows na tour  que se inicia nesta semana pela América do Sul. Com quase 20 datas em um período de apenas 31 dias, ele passará por Peru, Colômbia, Chile e contará com duas datas no Brasil. Destaques para clubs conceituados como Baum em Bogotá, Club Room em Santiago, e o Eletronic Arts Festival em Barranquilla. Nessa entrevista, abordamos todos esses acontecimentos na vida do artista que promete ser um dos mais expressivos do país nos próximos anos.

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HM – Depois de alguns anos dedicados a outros projetos, você está de volta a carreira artística de DJ e produtor. Estamos diante de momentos de muita dificuldade para clubs e festivais, devido às crises que vários países sul-americanos vêm enfrentando. O que te motivou a voltar a cena em um momento tão conturbado?

Eu sempre fui muito consciente em minhas decisões, mas as vezes na nossa vida a gente precisa ouvir nosso coração. Pra mim, estar sem fazer o que eu mais amo estava me matando. Quem me conhece sabe quão importante a música sempre foi na minha vida, me levando por exemplo, a empreender e criar o Gigloop. Hoje, graças a Deus, o Gigloop começa a andar e crescer sem depender tanto de mim, me permitindo dedicar tempo à música. Mas apesar da paixão, foi uma decisão muito bem pensada e, hoje, me vejo no meu melhor momento, com uma grande bagagem, maturidade e uma visão que me ajudam muito.

HM – A sua tour pela América do Sul em abril / maio está realmente impressionante. São quase 20 datas em praticamente um mês, certo? Conte um pouco sobre suas expectativas para a vinda a esses quatro países.

Eu realmente não imaginava que as coisas fossem acontecer tão rápido. Essa tour vai ser um grande desafio por toda a logística envolvida. Serão quase 20 gigs em quatro países e 16 cidades em apenas 31 dias. Mas estou animado como nunca, porque todos vão ser shows muito especiais, alguns em lugares incríveis, como o Electronic Arts Festival, numa praia no mar do Caribe em Barranquilla na Colômbia, ou a Sensation, nas montanhas em Cusco no Peru, além de vários shows em alguns dos clubs que sempre tive muita vontade de tocar, como o Baum em Bogotá e o Club Room em Santiago.

HM – Você teve apadrinhamento do Ricky Ryan no começo da carreira e, inclusive, trouxe ele várias vezes para tocar em seus eventos. Como começou esse relacionamento com o expoente argentino, e qual a importância dele para você?

É sem dúvida uma história muito especial. Acho que todo DJ teve algum artista que foi sua grande inspiração no início de carreira, aquele talento tão especial que te desperta a vontade de começar a tocar. Para mim, esse nome foi o Ricky Ryan. E o mais incrível é que logo que comecei a tocar, a música nos aproximou e o Ricky apostou muito em mim, não só me ensinando muita coisa, assim como me levando pra tocar em eventos com ele na Argentina e abrindo muitas portas para mim, inclusive me citando em várias entrevistas como o seu DJ brasileiro favorito. Somos grandes amigos até hoje e com certeza ter tido um apoio tão grande da pessoa que me inspirou a tocar, foi sem dúvidas algo muito especial pra mim e que guardarei para sempre.

HM – O projeto do Gigloop te levou a morar em Paris e estar em constante contato com a cena europeia. Fazendo uma análise comparativa, como você tem observado o crescimento da cena sul-americana como um todo? E o quanto ainda estamos atrasados em relação a Europa?

Não acho que seja uma questão de estar mais atrasada, mas uma questão de não ter chegado no mesmo nível de popularidade de lá. A quantidade de eventos que acontece na Europa é impressionante. Em Paris, por exemplo, são dezenas e dezenas de eventos de música eletrônica que acontecem todos os finais de semana, nos mais diversos lugares, dos mais diversos gêneros. Na América do Sul, vejo os eventos de música eletrônica mais escassos, mas creio que é uma questão de tempo para que a música se popularize mais e se torne cada vez mais democrática.

HM – Ainda sobre o Gigloop, talvez muitos dos nossos leitores nunca ouviram falar do projeto. Conte um pouco como tudo isso começou e a qual abrangência hoje?

Em poucas palavras, o Gigloop é uma plataforma onde clubs e produtores de eventos buscam e contratam artistas 100% online, como um AirBnb para a contratação de DJs. O Gigloop surgiu porque eu notei que todos os contratantes sempre tinham uma enorme dificuldade na hora de contratar artistas, precisando entrar em contato sempre com várias agências só pra saber sobre a disponibilidade deles. Nossa solução resolve isso colocando artistas, agências e contratantes em um lugar só, onde você tem todas as informações e faz toda a contratação online.

Hoje, estamos estamos com mais de 3000 artistas cadastrados, e praticamente todas as principais agências do mundo, com centenas de turnês acontecendo na América do Sul. Estamos tendo um reconhecimento incrível e hoje, por exemplo, somos baseados em Paris graças a um prêmio de inovação que ganhamos do governo francês e também ganhamos o prêmio de inovação do International Music Summit em Ibiza no ano passado.

HM – Você postou a alguns dias sobre o suporte de artistas como John Digweed, Sasha, e nomes mais comerciais como Erick Morillo e Paul Oakenfold, em seu edit da clássica “Lamur” do Guy J. Há quanto tempo isso havia ocorrido? Conte mais sobre como aconteceu essa história e qual o sentimento de receber reconhecimentos tão diversos?

Essa foi uma história muito engraçada. Essa track do Guy J é uma das minhas músicas preferidas de todos os tempos, mas ela é uma versão ambiente, sem groove ou batida nenhuma. Eu criei uma versão minha para que eu pudesse tocar há uns dois anos e, apesar dela sempre ter funcionado incrivelmente bem nas pistas, eu nunca tinha compartilhado com ninguém, a não ser com alguns amigos. Aí, cerca de duas semanas atrás, eu encontrei ela dentro de um promo pool e para minha surpresa descobri que ela tinha tido suporte de quase todos os meus artistas preferidos, como Sasha, John Digweed, Dubfire, Danny Tenaglia, até nomes mais comerciais que admiro muito como Armin van Buuren, Erick Morillo e Paul Oakenfold.

HM – Como você tem definido seu estilo musical hoje? Ainda é o mesmo Felipe de 10 anos atrás?

Essa é sem dúvidas a pergunta mais difícil dessa entrevista! Sem dúvida a minha essência é a mesma, porém mais atual, porque a própria música mudou muito. Eu costumo não me apegar a gêneros e minha música passeia por quase todas as vertentes entre o house e o techno, onde eu busco mesclar tudo em algo que seja só meu. Mas se tivesse que resumir eu diria que ela é groovy, melódica e deep, nessa exata ordem de importância.

HM – Você tem conseguido protagonismo em duas frentes do espectro da cena eletrônica, como artista e como empresário, seja realizando eventos, seja com inovações como o Gigloop. Conhecer como funciona ambos os lados te influencia na maneira de se apresentar, por exemplo, ou são coisas diferentes?

Acho que sem dúvidas me dá um olhar mais completo sobre o todo. Você cria um respeito ainda maior por todas as partes envolvidas justamente por saber e entender toda a dificuldade do processo e todo o trabalho que existe por trás de cada evento. Quando você tem essa consciência, a sua entrega se torna ainda maior.

HM – Qual a melhor e a pior parte de ser um artista e um empreendedor da cena?

Eu costumo falar que todo artista é um empreendedor. Quando ele larga mão da estabilidade de algum emprego ou de alguma carreira para focar na música, ele está empreendendo. Você vive uma vida cheia de riscos e com muito trabalho, mas a recompensa é a liberdade e a satisfação de trabalhar com o que te faz bem.

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HM – Após essa extensa tour pela América do Sul, o que mais podemos esperar do Felipe Callado nos próximos meses?

Os próximos meses vão ser super agitados. Tenho duas tours já marcadas na Ásia, onde estarei tocando com o duo brasileiro Elekfantz e vamos passar por Hong Kong, Bali, Kuala Lumpur e vários outros lugares. Além de tudo, estão sendo alinhadas algumas gigs super importantes na Europa, que espero poder anunciar em breve.

HM – Para finalizar, existe algum artista surgindo que você indicaria para ficarmos de olho na cena sul-americana?

A América do Sul é cheia de talentos e pessoas que eu admiro o trabalho imensamente, em gêneros até bem distintos do meu. Posso destacar aqui o peruano Tolinchilove, com quem já toquei várias vezes e posso afirmar com toda a certeza que é um dos DJs mais incríveis que já vi. No Chile, um nome que vem  destacando muito e está numa excelente fase é o Chino Negro. E aqui no Brasil, o duo Fancy Inc tem feito um trabalho admirável conquistando o grande público com um tech house de muita qualidade, prova disso é que hoje são destaques dos maiores selos do mundo como Elrow, Sola, Toolroom, Abode, entre outros. 

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